Estava velho, cansado, doíam-lhe os ossos e a vida. Afogava as manhãs em papas de aveia, segurando nas artrites uma velha colher debruada. No reflexo concavo desta, espreitavam uns olhos já gastos de nevoeiro, que escondiam borboletas roxas.
Fora feliz antes, vermelho, mas naquele dia as papas não tinham sabor. Trapo, arrastou-se à procura da Primavera, do sal da vida…
Ao mesmo tempo que o velho saía, a menina amarela partia o atacador. Diria o acaso que não se encontrariam, mas trocaram-lhe as voltas. Porque foi às voltas, num rodopio de braços abertos, que o atacador se partiu e o acaso deixou de o ser.
Caída, observou a luz do mundo em silêncio intermitente, quebrado apenas pelo peito que respirava. Era quente, brilhante, paz, era ficar ali. Mas os atacadores não duram para sempre…
Descalça, a menina tacteava o caminho por entre folhas e ramos, saltos e ziguezagues. Com a bengala, o velho desviava as pedras que defendiam o seu lugar conquistado.
Quando finalmente o viu, fixou-se no seu cabelo branco, fios que podiam atar… Quando finalmente a viu, num recorte de céu azul, sentiu as lágrimas do sal que encontrou…
Com o vestido manchado de sonhos e sangue, a menina pergunta:
– Porque choras?
– Já não dói mais.
De vermelho a azul, passou por todas as cores de uma estrela, desde que nasce até Supernova. Bonito nome para Morte…
Gonçalo Fortes