Tasca. Daquelas que serve peixe frito ao almoço e bolos pela manhã. Ainda é noite, mas é já dia para alguns. Já é dia, mas é ainda noite para alguns. É um destes últimos. Um betão estóico sentado ao balcão, com alicerces de minis Navio-Escola e pastéis de bacalhau. Não é ainda hora do peixe, mas confundem-se com bolos.
– Então, pá, que te aconteceu?
– O mesmo que acontece a todos os homens: uma mulher!
– Há outras coisas que também acontecem. Que tem essa mulher?
– Há outras coisas? Deves ter uma vida muito desinteressante, tu. Esta mulher tem muitas formas de dizer que não, e só algumas querem dizer sim.
– Não achas que um não pode ser um não?
– Acho! É por isso que estou aqui. Parado. A angústia é um paralítico, o amor é um motivador muito melhor. E quando se tem um desejo perfeito, não se quer procurar outra coisa. Vou já numa versão abreviada. Falta-me o tempo, uma hora a menos no relógio, que me vai comendo a vontade.
– Isto é país católico, há muitas Marias na calha. E tu podes tê-las todas!
– Não posso nada. Tirando o facto de me vir nas calças todos os dias, não tenho nada de especial. Sou até um tipo bastante normal…
– Serás? Olha, bebe aqui um galão. O café e o açúcar vão acordar-te. Animar-te!
– Além desta mini e do peixe que é bolo, não provo nada a não ser melodrama.
– Tens fome, aposto. Foi uma noite cansativa. Toma, vá! Ainda me vais agradecer.
– A gratidão é inútil. É apenas a expectativa de favores futuros.
– Estás só para aí feito íman carente e eu a tentar tirar sangue da pedra. Vamos mudar de assunto. Não falemos de homens ou mulheres.
– Falamos de quê então, hermafroditas?
– Ora aí está um assunto positivo. É só vantagens. Imagina as possibilidades de ter dois sexos!
– Imagino, sim. Podes ser impotente e frígida ao mesmo tempo.
– Porra, que língua de navalha! Não te sai nada de bom dessa boca.
– Só esta espinha, agora. Há bocado também me saiu um pirulito de cerveja. Voltou para trás! Já não sei se foi depois da número 17 ou 18.
– Charmoso, han! Aposto que com esses adereços a conquistavas num instante.
– Conquistava quem?
– A mulher do início. Essa matrioshka de sins e nãos.
– Ahhh era disso que estávamos a falar? Não ligues a isso, pá! Eu quero é fornicações épicas aleatórias.
Gonçalo Fortes
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